Quem é o Monsieur Pão de Queijo

Por Marco Aurélio Diniz

Há trinta e quatro anos, um certo Antônio Cançado de Araújo deixou sua terra natal, no interior das Minas Gerais, para correr mundo, correr perigo. A cidade onde ele nasceu, cumprira seu papel, e no momento oportuno, fez um bom despacho dele para a França.

Chegando em Paris aos 22 anos, trazendo na mala o sonho de ser feliz, ele também vendia sonhos, levando pessoas mundo afora, através de uma agencia de viagens – Carrefour des Voyages/ Voyageurs du Monde – ou trazendo-os do Brasil para a terra de Molière.

Mas seu espírito empreendedor o levou a criar a Central do Brasil em Paris, uma simpática loja de produtos brasileiros, a poucos minutos da Ópera. Era onde as pessoas vinham “matar a saudade” de sua terra.

Em julho de 1998, data que os brasileiros nunca esquecem, com a derrota de nossa equipe na Copa do Mundo, seus empreendimentos receberam um golpe duro.

Foi quando ele recebeu o convite de uma grande agencia de viagens para se estabelecer em Lyon, a capital da gastronomia francesa.

Amante das artes, dos artistas, da cultura e da religiosidade brasileira, ele se viu com a graça e a responsabilidade de receber a imagem de Nossa Senhora Aparecida, a santa padroeira do Brasil, que teria lugar de destaque na famosa Basílica de Fourvière, pertencente à arquidiocese de Lyon.

O evento, memorável, não poderia passar despercebido pois receberia pessoas ilustres como prefeitos, embaixadores e representantes do alto clero de ambos os países.

Sebastião Salgado, em Paris, degustação de Pão de Queijo na inauguração de sua exposição « Blessure »

Na ocasião – 2017 – Antônio Cançado viajava à Portugal, e foi lá, na terra de Camões, que surgiu a ideia de servir aos convivas, a iguaria que representa, unanimemente, a unidade nacional, de norte a sul do Brasil: o incomparável pão de queijo. Voltou a Lyon trazendo na mala 500 kg do produto. Nascia ali o Monsieur Pão de Queijo, 32 anos depois de sua chegada à França.

Questionado sobre o assunto, de porquê ter esperado tanto tempo para trazer para a França um produto tão popular de sua terra natal, ele responde: “pão de queijo é coisa da infância, da casa da avó, das tias, dos vizinhos, dos melhores amigos; é um beijo, não um business, e nos acompanha em qualquer destino, bastando um aperto do coração para que ele saia quentinho do forno”.

Mas a partir de então, Antônio, que de cansado não tem nada, decidiu tornar a iguaria conhecida na França, embora os franceses já o tenham provado, aqui e acolá, na casa de algum brasileiro.

Monsieur Pão de Queijo é conhecido hoje pelos melhores restaurantes, traiteurs, amantes da gastronomia brasileira, e pode ser entregue em qualquer lugar na França via CEDEX congelado.

A receita desta iguaria remonta ao século XVIII no Brasil colônia, quando as cozinheiras dos grandes fazendeiros, tentando encontrar um ingrediente que substituísse a farinha de trigo de má qualidade que chegava avariada dos navios portugueses, encontrou na fécula de mandioca, (um produto já utilizado pelas primeiras nações autóctones brasileiras e pelos escravos), o ingrediente perfeito, que foi aos poucos sendo aprimorado, com restos de queijo, ovos e leite, produtos típicos da então capitania das Minas Gerais.

Diz a lenda que uma receita semelhante possa ter chegado na América do Sul com os Jesuítas, no século XVIII, e que seria comparada ao Gougère francês.

 

 

Justiça seja feita, seja ele de origem francesa, autóctone, ou aprimorada pelos escravos africanos, o pequeno pão de queijo se tornou a grande paixão da pequena cidade de Mogneneins, na região de Rhône-Alpes, onde reside Antônio, e de onde ele é direcionado para todo o Hexágono, e em breve, para a toda Europa.

Enquanto isso, a saudade, essa palavra única e intraduzível da língua portuguesa, faz com que brasileiros viagem 150 km para matar o desejo da mulher grávida, ou simplesmente fazer uma viagem no tempo, na casa da avó, dos pais ou dos amigos, trazendo para a França profunda, um pedaço – sem glúten – do Brasil.

Apreciado em qualquer momento do dia, essa pequena iguaria que traz muito em sua história, ainda é fabricado no Brasil, e chega à França congelado, para ser consumido à moda brasileira ou francesa, no café da manhã, ou para receber convivas ilustres, com café ou champagne.

Se quiser saber mais sobre o “pequeno notável” da gastronomia brasileira, ou como associá-lo aos costumes e receitas francesas, acesse o site, ou venha nos fazer uma visita. A hospitalidade mineira faz parte da receita.

O melhor do Brasil, agora sob o charme de 2000 anos de história francesa.

Texto de Marco Aurélio Diniz, mineiro de Itapecirica, professor da Universidade de Montreal, no Canadá

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