Sob chuva e neve, brasileiros e franceses marcham por Marielle Franco em Paris

Por Paloma Varón para RFI Brasil

Foto: Manifestantes reunidos em frente à Ópera de Paris para marcha com o lema “Justiça para Marielle Franco”, em Paris, em 17 de março de 2018

Debaixo de forte chuva, que logo se transformou em neve molhada, com sensação térmica de -3 graus°C, um grupo de cerca de 200 brasileiros e franceses se reuniu em frente à Ópera de Paris na tarde deste sábado (17) para uma marcha intitulada “Justiça para Marielle Franco”.

O ato integrou a “Marcha das solidariedades – o racismo de Estado mata”, organizada por dezenas de ONGs antirracismo e de defesa dos direitos humanos que denunciam a violência policial na França. A marcha por Marielle Franco, que percorreu em uma hora e meia os poucos 2 km entre a Ópera e a estação Gare du Nord, de onde saem os trens para Bruxelas e Londres, integrou o evento com uma ala específica.

Sob gritos de “Marielle, presente!”, “Anderson, presente!” (referindo-se a Anderson Pedro Gomes, motorista executado junto com Marielle Franco no dia 14 de março) e “Não acabou, tem de acabar, eu quero o fim da Polícia Militar”, os brasileiros foram seguidos por franceses, homens e mulheres.

Dawud Bumaye, feminista negra francesa, disse que seguiu a marcha por Marielle por se solidarizar com as vítimas de violência policial não só no país onde vive, a França, mas pelo mundo.

“Estou aqui para manifestar a minha solidariedade às vitimas da violência policial e vim para o cortejo de Marielle Franco porque esta notícia nos chocou, mesmo se estamos na França e que isso tenha se passado no Brasil, pois a violência policial nos concerne a todos”, afirmou Bumaye.

Direitos humanos

Michelle Mendes, carioca, mestranda em Direitos Humanos, disse à reportagem da RFI que havia falado com Marielle Franco no dia de sua morte, quando a vereadora havia confirmado presença num evento para falar do impacto da intervenção militar na vida de mulheres negras e periféricas, promovido por um coletivo de mulheres que, após o assassinato da vereadora, passou a se chamar Coletivo de Mulheres Marielle Franco.

“Marielle foi a minha candidata e eu estou aqui porque isso foi um atentado contra todos nós defensores dos direitos humanos. Marielle não foi morta só porque ela é uma mulher negra e periférica, ela foi morta porque ela denunciava a violência policial e ela foi morta como uma defensora dos direitos humanos que era”, conta Mendes.

A também carioca Tatiana Monteiro estava indignada com a morte da vereadora e os prováveis motivos.

“Estamos aqui para denunciar, para mostrar ao mundo que basta, é preciso que esta violência acabe. Mataram a Marielle porque ela estava denunciando a violência policial nas favelas do Rio. Isso tem que acabar. A população brasileira é mestiça, é negra, é indígena. A polícia não entra na favela para matar traficante, entra para matar a população pobre. Até porque os traficantes no Brasil são os políticos, que recebem as drogas em seus aeroportos particulares”, sustentou.

Evento espontâneo

Taciana Brito, que falou à RFI depois de duas horas puxando os gritos do grupo em português e em francês, contou como o evento foi criado.

“O evento foi espontâneo, começou com a Marina Martins, que conhecia a Marielle e colocou a notícia da execução da vereadora no grupo [no Facebook] Brasileiras de Paris, querendo que a gente se pronunciasse sobre isso, querendo que a gente se manifestasse de alguma maneira. Daí em 10 minutos, 20 minutos isso foi crescendo, crescendo e logo já havia centenas de pessoas dispostas a organizar esta manifestação e a marchar por Marielle”, disse.

“Quando, no Brasil, dizem que foi só mais uma mulher que foi morta, eu respondo que a gente precisa aprofundar esta discussão. Não foi apenas uma mulher que foi morta, foi uma mulher negra, lésbica, feminista, que lutava pela favela, pela não-violência, pelos direitos humanos. Lembrando que o Brasil é um dos países que mais mata ativistas de direitos humanos”, completa Brito.

Para Taciana Brito, a morte de Marielle não vai apagar a sua luta.

“Este assassinato foi político e foi uma execução simbólica. Eles queriam executar o que a Marielle representava: uma mulher negra, feminista, lésbica, ativista. Achavam que ela não podia ter voz. A gente está aqui provando que sim, ela pode ter voz. Que eles podem mesmo matar a voz dela, mas a ideia eles não matam. Você viu que aqui tá um frio danado, com muita neve caindo, e olha quantas pessoas seguiram a marcha, mesmo com tudo isso”, disse, visivelmente emocionada.

O francês Jean-Pierre Guis, disse ter ido à marcha porque ama o Brasil e se sente parte desta luta. “Estou aqui para apoiar os democratas e a esquerda brasileiras que vivem dias terríveis.”

“Marielle Franco era uma pessoa notável, que lutava por todas as causas democráticas, pela emancipação feminina, contra o racismo, contra a homofobia. Ela era evidentemente um alvo ideal para um grupo fascista. Não sabemos ainda qual. Terá sido porque contestava a ocupação das favelas pelo Exército brasileiro? Terá sido morta porque era lésbica? Por ser negra? Nós não sabemos ainda. Ela era uma grande figura da nova esquerda brasileira e os amigos do Brasil, como eu, estão aqui para apoiar os brasileiros nesta luta”, afirmou Guis, que se considera “brasileiro de coração”.

No domingo (18), outra vigília em homenagem à memória de Marielle e Anderson está prevista às 14h de Paris, 10h de Brasília, desta vez na praça da República.

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